terça-feira, 8 de janeiro de 2008

ALGUMAS COMPLEXIDADE DO CONCEITO DE SEGREGAÇÃO NO PLANO DO INDIVIDUO NA RUA

AUTOR: ELISEU PEREIRA DE BRITO

Se for na rua que acontece o encontro, é na rua que também, ocorre o desencontro. Nesta perspectiva, queremos visualizar por meio de um olhar sobre a concepção da utilização da rua enquanto local de passagem - desencontro em Le Corbusier e, enquanto local de encontro em Jane Jacobs. A partir destes referenciais, tecer algumas reflexões sobre o conceito de segregação. Não se trata de uma nova forma de ver segregação, antes, de algumas inquietações que temos sobre o tema em tela.
Le Cobusier faz parte dos urbanistas progressistas conforme classificação de François Choay (1979). Este autor vive em um período marcado pela efervescência de um processo, de modernização da arquitetura. Sendo ele um dos ativistas deste processo ao buscar atender o crescimento e deter a desordem das cidades propondo assim, uma eficiência na lógica de planejar.
Antes de buscarmos entender o pensamento de Le Corbusier sobre a rua, vale ressaltar, o que ele intenta como necessidade humana. Pois estas se restringem a necessidade física que todos possuímos: a de sentar em uma cadeira e de energia elétrica para acender uma luz no ambiente de trabalho ou de estudo. Nossos esqueletos são iguais, apesar de nossa mente ser diferente. O homem precisa de utensílios para lhe auxiliar em suas funções básicas, nesta lógica, temos o automóvel que é um objeto simples, ele roda sobre pneus e também, é um objeto de funções complexas, pois permite que o homem tenha conforto e resistência para realizar suas atividades.
A expansão da tecnologia e a proliferação da máquina permitiu uma nova civilização das seções, “o espírito de perfeição revela-se nos lugares de perfeição geométrica”. Coloque uma máquina em funcionamento e tudo será confusão dentro da alegria, pois, para ele a sociedade moderna era a privilegiada pelas máquinas. A casa é uma máquina de morar que precisa ser adaptada ao conforto de seu usuário, que em suma, seria os operários das fábricas. Estes dividiriam o seu tempo entre o trabalho na fábrica e a sua casa. Portanto, para Le Corbusier, a sociedade industrial precisaria ter um conforto e uma locomoção rápida, tanto para atender o número crescente de pessoas que estava vindo para a cidade, quanto, para atender a necessidade de uma organização nas áreas ocupadas da cidade.
Uma cidade vive de linhas retas, possibilitando a construção de esgotos, canalizações, da circulação que exige uma linha reta, com a finalidade de controlar o tráfego. A reta é sadia para a alma das cidades, mas, a curva é perigosa e prejudicial, ela paralisa uma cidade. A rua curva é o caminho dos asnos, mas, a rua reta o caminho dos homens, afirma Le Corbusier. Pensar em rua na época era pensar em desordem circulatória.
A causa da desordem nas cidades são as ruas, a cidade que dispõem de velocidade, dispõe de sucesso. “Sob a pressão das velocidades mecânica, impõem-se uma decisão urgente: libertar as cidades da opressão, da tirania da rua” (JEANNERET, 1984, p.90). Para isso, os cafezinhos, os comércios de calçadas deveriam ser instalados nas galerias e dar espaços para a circulação dos veículos.
As encruzilhadas, uma próxima a outra deveria ser substituída pelo menos para 400 metros de distância. Os cruzamentos congestionam, atrapalha o trânsito, ele é o inimigo da circulação.
A rua moderna é um organismo novo, uma espécie de fábrica alargada, um depósito ventilado com múltiplos órgãos complexos e delicados (as canalizações). (...). A rua moderna deve ser uma obra-prima da engenharia e não mais um trabalho de empreiteiros. (JEANNERET apud CHOAY 1965, p.193)
Parte da problemática criada na cidade estava condicionada ao velho modelo de concepção da rua, mas, “abolida a tirania da rua, todas as esperanças são permitidas” (JEANNERET, 1984, p.93). A organização da circulação da cidade permitiria que a população trabalhasse duas vezes menos e que tivesse maior tempo para estar com a família e para o lazer.
No entanto, os muros da propriedade privada limitam a ultrapassagem em uma escala micro, pois, quando os moradores ultrapassam os muros de suas casas, vão ter que conviver com pessoas dos diferentes estratos sociais.
Jane Jacobs, ao escrever o seu livro: Morte e Vida de grandes cidades, afirma que, esta obra consiste em um ataque aos fundamentos do planejamento urbano e da reurbanização ora vigente, “é uma ofensiva contra os princípios e os objetivos que moldaram o planejamento urbano e a reurbanização modernos e ortodoxos” (JACOBS, 2003, p.1).
Para Jacobs as idéias de Le Corbusier apresentam-se como as mais espantosas da concepção anticidade e diz que, em seu projeto da Ville Radieuse de aranhas céus e com velozes carros transitando por entre estes, a cidade é um verdadeiro parque, “uma utopia social” (2003, p.22). Utopia social que primava pela liberdade máxima individual no plano da responsabilidade cotidiana.
A concepção de planejamento de Le Corbusier procurou fazer o planejamento viário da cidade, totalmente privilegiado para os veículos em detrimento dos pedestres. Para os pedestres ficaram reservado apenas os parques, fora da rua, que a partir de então esta passou a ser vista apenas para tráfego de veículo. “A cidade dele era como brinquedo mecânico maravilhoso” (JACOBS, 2003, p.23). Para tanto,
as ruas das cidades servem a vários fins além de comportar veículos; e as calçadas – a parte das ruas que cabe aos pedestre – servem a muitos fins além de abrigar pedestres. Esses usos estão relacionados à circulação, mas não são sinônimos dela, e cada um é, em si, tão fundamental quanto a circulação para o funcionamento adequado das cidades (JACOBS, 2003, p.29).
A cidade só será atraente, se nas suas ruas houver atração. “As ruas e suas calçadas, principais locais públicos de uma cidade, são seus órgãos mais vitais” (JACOBS, 2003, p.29). É a partir das ruas e calçadas que se defini se uma cidade é violenta ou não. Se as pessoas sentem seguras na calçada, há uma superação do medo e da violência nas ruas.
A concepção do indivíduo na rua de uma pequena cidade é diferente da concepção de rua nas metrópoles. “As cidades grandes estão, por definição, cheias de desconhecidos” (JACOBS, 2003, p.30), e acrescenta mais, “mesmo morando próxima uma das outras, as pessoas são desconhecidas, e não poderiam deixar de ser devido ao enorme número de pessoas numa área geográfica pequena” (JACOBS, 2003, p.30).
Não é necessário ter tanta violência na rua para a insegurança se instaurar, mas, o temor a violência produz medo da rua e resulta em afastamento das pessoas delas, produzindo desertos humanos e aumentando a insegurança. Ruas, onde podem ser assaltada sem que ninguém os veja ou preste socorro. Portanto, “uma rua movimentada consegue garantir a segurança; uma rua deserta, não” (JACOBS, 2003, p.35). A rua precisa de olhos atentos para ela, que observe cada movimento, isso, não é tarefa de segurança pública, mas, dos moradores da própria rua, “a presença de pessoas atrai outras pessoas, é uma coisa que os planejadores e projetistas têm dificuldade em compreender” (JACOBS, 2003, p.38).
A rua deve ser preparada para lidar com o estranho nos limites do público e privado, pois, quando é atendido assim, “quanto mais estranhos houver, mais divertido ela será” (JACOBS, 2003, p.41). Os espaços devem ser bem estruturados para tais, e até os bares e, “na verdade, todo comércio, são malvistos em vários bairros, precisamente porque, atraem estranhos, e estes de forma alguma são encarados como uma vantagem” (JACOBS, 2003, p.42).
Afinal, é na rua que pode brincar de bola, correr da polícia, ser assaltado ou até ser preso por uma polícia. Na rua não existe estratos, ela é universal, todo mundo está com o mesmo status, de pedestre. Nela, tantos os pobres como os ricos se cruzam, é na rua que há o encontro entre as classes sociais, se ela não existir somente teremos os desencontros. Claro, não podemos nos esquecer da escala urbana, pois ao tratar sobre pobres ou ricos na cidade, será diferente o encontro na rua de uma cidade pequena para as ruas das metrópoles. Nesta, a rua também é o local de passagem e do desencontro.
Mas, de forma generalizada a rua é o local do encontro, quando concebida como lugar de se estar. Quando se trata de cidades médias ou pequenas, os encontros na rua são mais freqüentes. A população compartilha o mesmo centro comercial. A agência central do Banco do Brasil é visitada pelo rico e pelo pobre. Na rua há o encontro entre as diferenças, e estas, se encontram, se relacionam e dificilmente se negam.
Não queremos ser simplista aqui em afirmar que as diferenças não se negam na cidade pequena ou média. Até por que, estamos fazendo referência no plano do indivíduo e estes são particularizados. Pode ser que tenhamos na cidade uma pessoa que se negue a compartilhar as ruas da cidade, para este, está constitui o local do desencontro.
O shopping center, o aeroporto ou mesmo a rodoviária não é para todos. Suas realidades são mascaradas por níveis de poder aquisitivo. Dificilmente encontrarás um mendigo dentro de um avião ou dentro de um shopping, lá existe barreiras que impede tais pessoas entrarem. Ao contrário da rua, onde, mesmo que a excluem, eles estarão nela como transgredidos.
Ora, se a rua que nos interessa é o local da produção da vida cotidiana, fica claro, que se está falando não da rua em sua materialidade, mas, na experiência apropriada pelas pessoas sobre a rua. Não queremos apontar a rua em si, mas antes, abordar alguns pontos relevantes que exprime a experiência sobre a rua. Para tanto, é possível também, descobrir onde em meio ao caos urbano, ela se refugiou já não como espaço de circulação, mas enquanto lugar e suporte de sociabilidade.
Voltamos a ressaltar que, tentar ver a segregação no plano da relação dos indivíduos constitui uma tarefa complexa, e deve em primeiro lugar, situar o local que encontra esta rua. Se for numa metrópole, as ruas são mais o local de passagem de veículos e muitos diferentes entre si. O centro das metrópoles esvazia à noite e as ruas são transformadas em territórios da prostituição ou dos mendigos que se alojam debaixo das marquises para passar a noite. Se o bairro é residencial, então há uma seleção de pessoas, porém, não há apenas o encontro dos iguais, mais o encontro dos diferentes.
A concepção de rua pública permite que o pobre entre no Plano Piloto em Brasília para pedir esmola. O encontro acontece entre os diferentes, e neste, acentua-se as diferenças. De um lado, os que podem comer, no outro extremo os que não podem comer, de um lado os que têm casa, de outro os indigentes da rua. As diferenças chegam ao extremo, passando a negar a relação dos indivíduos, nega às próprias diferenças. O milionário que passa em sua mercedes e os mendigos com saco na costa transitam pelas ruas. O medo de ser assaltado produz o distanciamento entre eles e, mesmo vendo-os não conseguem se aproximar. Cada vez mais cria barreiras para se isolar.
Nesta concepção, entendemos que é possível dizer que há segregação nas metrópoles. Vale ressaltar, que levamos em consideração apenas os extremos dos estratos sociais, se fossemos analisar não o extremo, talvez poderia ter uma outra conotação.

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